De onde é o seu sotaque?

| terça-feira, 5 de julho de 2016
"Ahh, mas que saudade eu tenho da Bahia..."

De tanto ouvir esta pergunta, já tenho um texto pronto na ponta da língua.

“Nasci em Pernambuco, morei a vida quase toda na Bahia. Mas também morei no Pará e andei bastante pela Paraíba”.

Não. Não sou cigana. A vida é que foi nos levando, minha família e eu, por aí. As mudanças constantes fizeram com que cada um dos três filhos de painho – sim, eu ainda chamo meu pai de painho – nascessem em um lugar diferente. Eu, em Arcoverde, Pernambuco; meu irmão do meio, em Feira de Santana, na Bahia; e Digão, o caçula, em Belém, no Pará.
Enfim, andei tanto e vim parar em São Paulo às vésperas de completar 36 anos. Tempo de vida suficiente para ter características bem particulares de cada lugar por onde andei. Na Bahia, me achavam com sotaque pernambucano. Em Pernambuco, me achavam baiana. No Pará, me achavam do sertão, seja lá onde isso fosse, e, aqui em São Paulo... ah, aqui em São Paulo, as impressões são muitas.
Já passei por situações curiosas e outras constrangedoras. Em algumas, eu era o alvo; noutras, o alvo era o Nordeste como um todo. E, sim, eu sempre fazia deste momento algo que a pessoa participante dele não me esquecesse. Pelo menos, na maioria das vezes, uma briga e uma problematização eram criadas. Vamos a alguns relatos:

O diálogo:
- E esse sotaque bacana, de onde é?
- blá blá blá, repito aquele textão lá de cima.
- Nossa! Baiana e tão branquinha assim?

...

Eu e Cláudio fomos atender uma pessoa interessada em nossos serviços. Ela também não era daqui. Batemos papo por uns minutos e ela me faz a pergunta ”de onde você é?” e, ao ouvir a resposta, ela completa com um ~fofo~ “é que você tem a voz engraçada”. Não fosse ela uma pretensa cliente, eu teria respondido com um sincero:
Sou de Pernambuco, sou. 
Das brenhas do interior. 
Estou por aqui...
- Não, kirida, eu não tenho a voz engraçada. Aracy da Toptherm pode até ser um exemplo de voz engraçada, apesar de eu não achar. É só o meu sotaque que é diferente do seu.

...

Outra vez, ao atender o telefone na loja do meu marido, rola o seguinte diálogo:
- Camisetas Rápido, boa tarde.
- De onde fala?
- Camisetas Rápido. Pois não?
(falando com alguém, que não era eu) - Oh, fulano, eu já não te pedi pra não ligar pra empresas no Nordeste? Eu não quero negócio com esse povo.
E o telefone foi desligado na minha cara.
(sim, nesse dia, eu tive uma crise de choro)

...

Em uma mesa de bar, batendo papo com pessoas recém-conhecidas, uma delas me pergunta como é vir do Nordeste pra cá “nessa época em que tem gente deixando de trabalhar como doméstica porque prefere viver de bolsa família”.
Aff!

...

Há também as pessoas que são maravilhosas e pedem que eu repita meu nome só para ouvir o sotaque com carinho. Pena que estas são poucas e pena que a maioria, como as exemplificadas acima, é assim por causa da ignorância e por não ter a consciência de quão grande é o Brasil. É comum ver paulistanos que conhecem países diversos, mas não conhecem outra cidade do próprio estado, quanto mais dos outros. É mais comum ainda ver pessoas que nasceram aqui, vivem aqui e daqui nunca saíram. É comum e lamentável.
Tento me policiar para não agir com grosseria quando escuto uma barbaridade, mas há dias e situações que não me deixam ser tão maleável. Sei que não vou mudar o mundo, mas posso ao mesmo fazer com que as pessoas que repetem o senso comum abram um pouco a mente e pensem um pouco antes de abrir a boca.

Legendas: 
Música: Saudade da Bahia - João Gilberto
Música: Nas terras da gente - Silvério Pessoa


edit

3 comentários:

  1. Pois eu amo a nordestina arretada que tu é, do jeito que tu é ... e sim, você me enche de orgulho.

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  2. Adorei o seu texto, Mari!!! Parabéns por ser quem você é

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    Respostas
    1. Tania, coisa linda!!
      Obrigada!! Tentarei manter ao menos uma postagem diária.
      Beijo

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